desenvolvendo pessoas desde 2005


VOCÊ S/A - Como as empresas funcionam

11/03/2011 09:36

 

O experiente coach e headhunter Augusto Dias Carneiro ensina jovens executivos a decodificar as mensagens do jogo corporativo

 

 

Coach, headhunter e ex-executivo, Augusto Dias Carneiro, de 58 anos, ocupa um lugar privilegiado no mundo corporativo: como diretor financeiro e consultor, viu de perto reestruturações, fusões e privatizações. Graduado pelo Massachusetts Institute of Technology, trabalhou em multinacionais como Shell, Xerox e Citibank. Em 1997, contratado pela empresa de seleção de executivos Korn/Ferry, virou headhunter. Em 2004, credenciou-se como coach nos Estados Unidos pelo Hudson Institute, um dos principais centros de formação dessa especialização no mundo. Passou a aconselhar presidentes, VPs, diretores e jovens talentos escolhidos como altos potenciais pelas organizações.

Desde janeiro, toda sua experiência está à disposição no livro Guia de Sobrevivência na Selva Empresarial, lançado pela Editora Campus/Elsevier. A obra é destinada principalmente aos jovens que precisam de orientação rápida para enfrentar o mundo corporativo. A ideia de Augusto é que o livro seja a primeira ferramenta de consulta na hora em que a insegurança bater. Em 70 verbetes — como chefe, cultura da empresa e erros —, ele explica o mundo corporativo de forma rápida, mas profunda, citando grandes especialistas e os principais conceitos que regem as empresas por dentro. “Os profissionais ficam perdidos no meio de tanta informação. Tentei organizar essas coisas de uma maneira simples, evitando a linguagem acadêmica”, diz Augusto. O livro traz também uma série de recomendações bibliográficas básica, que todo profissional deve manter na mesa de trabalho. A seguir, Augusto conta como sobreviver no mundo corporativo (sem virar um workaholic) na hora em que a crise apertar.

Como um profissional faz para sobreviver na selva empresarial? Que atitudes ele deve tomar? Para sintetizar, há três coisas essenciais que ele deve fazer: lembrar que comportamentos que deram certo no passado não necessariamente darão certo no futuro; entender que progredir na vida profissional nem sempre é uma linha reta para cima; e ter os objetivos de carreira bem definidos, mas as trajetórias para atingi-los bem flexíveis.

Por que os profissionais precisam de um guia de sobrevivência para o mundo corporativo? As pessoas ficam assustadas com a quantidade de informação que o ambiente empresarial transmite hoje em dia. Há uma pressão para ter bom desempenho, que o próprio profissional se impõe. E tem as pressões que a empresa coloca sobre o cara. E o pior: dois terços dessas mensagens não são verbais. A ideia do livro é fazer a pessoa aprender a decodificar rapidamente os sinais que o mundo corporativo lhe transmite, para reagir de imediato e tocar pra frente.

Quais são as dúvidas de carreira mais comuns entre seus clientes? O tema mais recorrente nas sessões de coaching é a delegação. Hoje, o que tira o sono dos CEOs é a falta de experiência das equipes. O alto executivo acha que, se aparecer qualquer tema fora do script, os subordinados não serão capazes de lidar com ele. E aí entra o problema da delegação. As pessoas não sabem delegar. Ou sabem delegar, mas têm medo porque o subordinado é júnior.

Entre os executivos jovens, o que mais preocupa? O cara mais jovem reclama de delegação também, mas tem outra dúvida, que na verdade são duas. Ele sofre de muita angústia ao pensar se está enxergando todas as possíveis trajetórias de carreira que tem, dentro e fora da empresa. E também tem muita curiosidade em saber se a remuneração dele é compatível com os padrões de mercado e com o que ele pode render.

Como o profissional de uma equipe enxuta lida com a sobrecarga de trabalho? Se ele acha que trabalha mais do que os pares, deve conversar com o chefe sobre isso. Se a sobrecarga foi distribuída mais ou menos igualmente entre os membros da equipe, tudo o que ele pode fazer é esperar que esta seja uma situação transitória.

No livro, o senhor fala sobre empresas tóxicas. Como elas são definidas? São aquelas que geram uma dependência, que fazem vir à tona nossas tendências de workaholic. Há empresas que intencionalmente promovem o vício, porque ele é um excelente mecanismo de retenção. Já vi organizações saudáveis que têm departamentos tóxicos. E já vi companhias boas, cuja subsidiária brasileira é tóxica. O profissional pode identificar os sintomas para se prevenir. Por exemplo, é preciso tomar cuidado com as organizações que têm missões grandiosas, pois elas normalmente se tornam metas inatingíveis. Ou empresas que têm um porta-voz. Numa companhia saudável, qualquer um pode responder pela empresa. A presença de um portavoz sugere que há algo a esconder.

A culpa é da empresa ou das pessoas que a fazem? Você não consegue distinguir. O funcionário viciado vai sair contaminando os outros. Quem gosta de trabalhar 14 horas por dia recruta pessoas que trabalham também 14 horas por dia e que ainda acham que só isso é importante. Não há nada de errado em ser leal à empresa. Mas o profissional não pode colocar essa lealdade acima de seu bem-estar individual.

Como um profissional workaholic pode livrar-se do vício? Quais são os primeiros passos? Os famosos 12 passos dos Alcoólicos Anônimos se encaixam — igual a uma luva! — ao vício de trabalhar. Primeiro, o profissional precisa aceitar que é workaholic. Depois, ele tem de arregimentar família e amigos para ajudá-lo. Se puder, deve contratar um coach qualificado. A partir daí, o profissional deve procurar uma organização que não aperte os botões “workaholicos” das pessoas. Deve também estruturar o tempo de trabalho, pensando em liberar tarefas atuais, e não em acumular novas responsabilidades.

Num momento de crise as pessoas ficam mais tóxicas no ambiente do trabalho?
É possível, porque você começa a desconfiar que o mercado de trabalho não vai oferecer alternativas. E começa a se preparar para conviver com um nível de adversidade maior do que o atual. Assim, aceita as condições que o ambiente impõe. Cria-se um círculo vicioso terrível.

Quem quiser procurar emprego este ano deve fazer o quê? Eu sugiro que as pessoas procurem emprego nas chamadas “empresas de onda longa”, isto é, companhias de petróleo, mineração, bens de capital, exploração de recursos naturais. São aquelas empresas em que os prazos de planejamento e investimento têm 20, 30 anos. Essas organizações não podem se deixar influenciar por crises de mais curto prazo. Elas sabem que, se não investirem, quando a crise passar, não conseguirão competir.

O senhor acha que está mais fácil reter os talentos por causa da crise? Esse cara continua sendo disputado. Algumas organizações decidem passar pela crise cercadas das melhores pessoas. Um dos meus clientes chamou a crise de um “voo para a qualidade”. Ele quer ter as melhores pessoas a bordo, porque não pode se dar ao luxo de ter um time B.

Então a crise não amenizou a guerra por talentos?
Pelo contrário, a guerra por talentos até aumentou. Agora, está se valorizando mais os executivos muito experientes, que já passaram por outras crises na vida. São os executivos grisalhos. As empresas estão captando essas pessoas, que muitas vezes não querem mais o vínculo tradicional, oferecendo cargos interinos. Está em alta o executivo experiente e interino.

O senhor escreveu, no livro, que na cultura brasileira existe o costume de se evitar o relacionamento entre chefe e subordinado. Como romper com esse bloqueio?
A sociedade brasileira tem duas castas: uma faz, mas não pensa; a outra pensa, mas não faz. No mundo corporativo, isso enlouquece os executivos expatriados que vêm ao Brasil. Porque os empregados brasileiros têm uma mania louca de delegar para cima, de se livrar da responsabilidade de decidir. O executivo deve estimular os subordinados a assumir responsabilidades sobre suas tarefas. Só assim eles terão oportunidades de crescimento.

O conflito entre subordinado e chefe ocorre por quais razões? É a delegação que não está clara. O funcionário delega para cima quando desconfia que o assunto é de uma alçada superior à dele. Há três saídas: ele decide sozinho, ele decide após consultar o chefe, ou ele joga para cima e o superior decide. O certo seria o funcionário informar o chefe de que está sendo pressionado a tomar uma decisão e não está confortável em fazer isso sozinho. E perguntar a opinião do superior. Só que essa negociação não é comum. O funcionário não deve considerar uma fraqueza perguntar. O chefe sempre apreciará quem pergunta. Até porque os sistemas de delegação das empresas são ambíguos e as pessoas ficam perdidas mesmo. Não tem jeito: sente-se com o chefe e discuta.

O livro também alerta para o fato de que os chefes são melhores do que os subordinados imaginam. Por que as pessoas desconfiam dos chefes? Há uma série de coisas que o sujeito precisa saber ao chegar a uma empresa e que ninguém ensinou. Ser chefe pela primeira vez na vida, por exemplo. Em nenhum lugar, nem em um bom curso de MBA, ensinam para você como é ser chefe no dia-a-dia. As empresas lidavam melhor com isso antigamente. Hoje em dia, com esse negócio do “rápido, rápido, rápido”, que é o oposto de “profundo, profundo, profundo”, as pessoas não têm tempo de se dedicar a tema nenhum. Muitas vezes, os executivos entram numa sessão de coaching comigo parecendo que levaram uma surra. As pessoas chegam muito danificadas [ao coaching] porque as empresas não permitem contemplação, observação, um tempo para meditar sobre os assuntos.

As pessoas estão perdendo essa medida de que, às vezes, para decidir, é preciso pensar antes? Atualmente, é feio ser profundo. Existe uma valorização de quem é rápido. Nos testes de competências, as pessoas chegam a falsear as respostas para dizer que são rápidas. Costumo falar para meus clientes que não é possível que numa empresa moderna não exista demanda para ao menos meia dúzia de pessoas profundas que não sejam rápidas.

E quem se sente incomodado com essa pressão por rapidez? Como lidar com a questão? De imediato, as pessoas que se incomodam muito com a pressão por rapidez devem ter uma conversa franca com o superior sobre esse conflito entre velocidade e profundidade. Curiosamente, a maioria das pessoas não se dá conta de que uma coisa exclui a outra — e o chefe pode ser uma delas. Depois, o profissional pode procurar cargos e empresas em que a profundidade seja uma coisa boa. Por exemplo: consultoria, planejamento estratégico, novos negócios.

A crise vai impactar o modelo de relações no trabalho? Eu espero que a crise sirva para que as pessoas questionem o modelo de trabalho. Vejo muito executivo dizendo que a empresa não permite que ele desenvolva todo o potencial, que está estressado por excesso de pressão, que está insatisfeito, que é subutilizado. E o empresário reclama que não consegue encontrar os talentos. Quando os dois lados vão se falar? Esse modelo está quebrado. Eu espero que essa tal crise leve o mundo a pensar numa outra relação entre pessoas e trabalho.

Por Murilo Ohi e Renata Avediani

Fonte: https://vocesa.abril.com.br/escolha-sua-profissao/materia/como-empresas-funcionam-483652.shtml

—————

Voltar