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VOCÊ RH - O universo é aqui dentro
13/10/2010 13:38O apagão de talentos e o aumento da concorrência levam grandes empresas brasileiras a adotar o modelo da universidade corporativa. O objetivo é inovar e se diferenciar no mercado, formando não apenas os colaboradores, mas também públicos estratégicos
Como unidade de negócios, a Universidade Bematech, criada em 2003, virou um centro de custos independente, com direito a mais investimentos e infraestrutura física, mas também com o dever de mostrar resultados concretos no balanço final e na sustentabilidade da empresa — a razão de ser de toda universidade corporativa. “A boa gestão do conhecimento significa uma vantagem competitiva”, afirma Castagno. Responsável pelo planejamento estratégico da Bematech e também pela universidade, ele trabalha com a gerência de RH para identificar as necessidades de capacitação da força de trabalho e desenvolver os cursos da UC. “O comprometimento da alta direção com a universidade é fundamental”, afirma. “As UCs existem porque é nítido o gap entre o meio acadêmico e a prática. Encarando a educação como um pilar estratégico, podemos preencher esse vazio e agregar novos valores à organização.”
O público atendido não inclui apenas os colaboradores, mas também os parceiros. Os revendedores, por exemplo, recebem treinamento de vendas e manutenção dos softwares de gestão do varejo. Das 3 780 pessoas treinadas pela universidade de janeiro a maio deste ano, um terço era de parceiros. “Dessa maneira, também ajudamos no desenvolvimento da mão de obra fora da companhia. É um serviço prestado à sociedade”, diz Castagno, referindo-se a outra tendência das universidades corporativas: a preocupação crescente com a sustentabilidade não só da empresa, mas de seu entorno — que, no fim das contas, é a garantia de sua sobrevivência.
Pouco antes da criação da UniAlgar, em 1998, Penha viajou aos Estados Unidos com quatro colegas para conhecer as universidades corporativas da Motorola, do McDonald’s, da IBM entre outras. Ele voltou decidido a implementar o sistema, que começou com o modesto treinamento de 200 funcionários por ano, mas hoje já forma mais de 5 000 e conta com um campus em Uberlândia, Minas Gerais, capaz de atender 600 pessoas simultaneamente. O Algar investe mais de 9 milhões de dólares por ano no sistema. Dos atuais 17 500 empregados do grupo, mais de 12 000 já passaram por treinamentos presenciais ou a distância. Todos, em algum momento, estudarão na UniAlgar, que divide seus cursos em transmissão de cultura e valores, preparação de líderes, capacitação comportamental e formação técnica.
A atualização constante do conhecimento ganha nova dimensão quando empresas de um mesmo setor unem forças. É o que já ocorre no setor financeiro. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) mantém um centro de educação corporativa com quatro escolas, atendendo públicos diversos: profissionais de finanças, gestores, cidadãos (em cursos de conscientização financeira) e profissionais de segmentos estratégicos (conteúdos dirigidos a jornalistas, sindicalistas e outros). “A atuação conjunta dos bancos contribui para o aprimoramento do setor”, diz Amauri Niehues, diretor de gestão de pessoas do Banco do Brasil. A instituição, que mantém uma das maiores UCs do país, a UniBB, com investimentos de 123 milhões de reais previstos para este ano em treinamentos internos e bolsas de graduação e pós-graduação, ocupa um assento na Subcomissão de Treinamento e Desenvolvimento da Febraban, onde são discutidas práticas de educação corporativa. “Um dos objetivos da UniBB é ampliar a comunidade de aprendizagem, expandindo as oportunidades educacionais de profissionalização e desenvolvimento da cidadania”, diz Niehues, citando mais um importante papel da universidade corporativa, o de ponte entre empresa e sociedade, com programas que atendam à crescente expectativa de sustentabilidade não só econômica, mas social e ambiental. Além dos conteúdos de gestão e finanças, a universidade oferece, não só para os funcionários, mas para o público em geral, cursos sobre direitos do consumidor e introdução à ação voluntária, entre outros. Por Alexandre Moschella Fonte:https://revistavocerh.abril.com.br/noticia/especiais/conteudo_603728.shtml
O advogado e educador americano Derek Bok, reitor da Universidade Harvard de 1971 a 1991, apresentou um dos mais célebres argumentos em favor do investimento no ensino: se você acha a educação cara, experimente a ignorância. Talvez Bok estivesse pensando apenas no sistema normal de ensino, mas a ideia é cada vez mais válida também no mundo empresarial. A chamada universidade corporativa, modelo que se diferencia da capacitação tradicional pelo ensino continuado e pelo alinhamento sistemático com a estratégia da organização, virou pré-requisito para a competitividade de muitas empresas. Os projetos se multiplicam em reação a dois fenômenos que desafiam os gestores das empresas: o apagão de talentos em diversos setores da economia e a necessidade de inovar para se diferenciar em um mercado globalizado e cada vez mais competitivo. “Nesse contexto, surge a necessidade de um modelo sistemático de desenvolvimento de pessoal pautado pelas competências estratégicas, aquelas que garantirão a qualidade e a sustentabilidade de todos os processos da companhia”, diz Marisa Eboli, coordenadora do curso de gestão da educação corporativa da Fundação Instituto de Administração (FIA). Sistematizar significa inserir o treinamento técnico tradicional em um contexto mais amplo, que inclua a formação contínua de colaboradores e também de outros públicos, como os revendedores, e a disseminação da cultura e dos valores da organização. Os resultados esperados são funcionários mais qualificados e motivados, baixo turnover e melhor desempenho. Justificando o nome “universidade”, surge assim um novo nível, mais universal, da educação corporativa: é quando a companhia (re)inventa continuamente sua própria força de trabalho.
No país de Bok, berço desse modelo, existem mais de 2 000 universidades corporativas (UCs). A principal referência ainda é o pioneiro centro de treinamento da General Electric, em Crotonville, criado em 1956. A multinacional de serviços e tecnologia, apontada neste ano em um estudo mundial da consultoria de recursos humanos Hay Group como a empresa que mais incentiva o desenvolvimento de líderes, informa que, por enquanto, não tem planos de replicar o sistema em território brasileiro. Mas suas discípulas, de qualquer modo, proliferam por aqui. O Brasil assistiu a um verdadeiro boom de UCs na última década. No fim dos anos 1990, havia apenas uma dezena delas no país. Hoje, já são mais de 300, calcula Marisa Eboli. “Embora ainda não exista um levantamento completo, é seguro dizer que a universidade corporativa surgiu no Brasil na década de 1990 e se consolidou na de 2000”, afirma a especialista. No ano passado, a Pesquisa Nacional de Práticas e Resultados da Educação Corporativa, realizada pela FIA, definiu o perfil mais comum das companhias que adotam esse modelo educacional: são de grande porte e atuam em cadeias de produção globais e complexas, que envolvem vários públicos. É o caso das empresas que mantêm algumas das maiores UCs do país, como a Petrobras, o Banco do Brasil e o Grupo Algar. Com o crescimento das próprias empresas no Brasil e o aumento da competitividade no cenário da globalização, a educação chega a ser alçada ao status de unidade de negócios formal dentro de algumas organizações. “As transformações do mercado nos levaram a adotar essa medida em 2006”, diz Roger Lahorgue Castagno Júnior, gerente de desenvolvimento corporativo da Bematech, empresa de equipamentos e sistemas de gestão para automação comercial, com sede em Curitiba, no Paraná.
A capacitação do público externo é uma meta do Tyre Campus, a universidade corporativa que a Pirelli inaugurou em agosto para treinar, em seu primeiro programa, os funcionários da rede oficial de revendedores, a maior do Brasil no setor pneumático, com 600 pontos de venda. O Tyre Campus é a primeira universidade corporativa do setor de pneus no Brasil e também do Grupo Pirelli. Servirá de modelo para a criação de UCs da multinacional em outros países a partir de 2011. “Pouco antes da inauguração, os responsáveis pelo setor de formação global do grupo vieram de Milão, na Itália, para conhecer o processo e usá-lo como benchmarking para o modelo que será implementado no mundo”, diz Humberto Andrade, diretor de marketing da Pirelli na América Latina. O fato de a universidade responder ao departamento de marketing ilustra sua importância estratégica. “Nosso objetivo é levar a informação até o consumidor da melhor maneira, para que ele conheça os produtos e faça a melhor escolha, e quem determina isso são as equipes dos revendedores”, afirma Andrade. “É fundamental que toda essa força de mercado seja capacitada em todos os aspectos — o técnico, o comercial, o atendimento ao consumidor. Na ponta da cadeia, é isso que fará a diferença.”
Os revendedores já recebiam treinamentos pontuais, mas agora a capacitação obedecerá a uma grade de formação mais longa, em aulas virtuais e presenciais – na sede da UC, em Santo André, São Paulo, e nas próprias revendas, visitadas por equipes de treinamento. Nos cursos, os alunos só passarão de uma etapa a outra se tirarem a nota mínima. A empresa espera capacitar 1 000 pessoas neste ano e 3 500 no próximo. “Em 2011, teremos outros conteúdos e buscaremos outros públicos”, diz Eduardo Pichiliani, gerente de treinamento da Pirelli na América Latina. “A ideia é surpreender o mercado inovando conforme as necessidades se apresentam. Enquanto outros pensam em melhorar a quantidade, a universidade corporativa quer melhorar a qualidade em um processo contínuo.”
A perpetuidade é um dos sete princípios enumerados pela professora Marisa Eboli para o sucesso do sistema de educação corporativa. No centro está a competitividade, que deve ser alimentada pelos demais princípios (veja quadro Mobilização para a Educação). Eles apontam para uma mudança de paradigma, em que o treinamento tradicional, com foco em necessidades individuais, dá lugar ao desenvolvimento sustentado de competências alinhadas às estratégias de negócios. Na prática, a UC busca a visão do todo e acompanha meticulosamente a posição da organização no mercado para suprir carências. “A melhor definição de universidade corporativa é o processo do desenvolvimento contínuo de competências que vão se transformando conforme as mudanças dos negócios”, afirma Cícero Penha, que, como vice-presidente de talentos humanos do Grupo Algar, está à frente de uma das maiores e mais antigas UCs do país, a UniAlgar. A diversificação da atuação do grupo empresarial, nos setores de agronegócio, TI, telecomunicações, serviços e turismo, exige atenção especial à gestão do conhecimento. “Com a atual velocidade de mudanças dos negócios, não dá para a escola normal suprir a demanda”, afirma Penha.
Mais recentemente, a necessidade de centralizar a gestão do conhecimento também levou a Pernambucanas, uma das maiores empresas de varejo do país, a fundar sua universidade corporativa. A empresa centenária já investia bastante em seu centro de treinamento, formando, por exemplo, todos os gerentes internamente, sem contratar nenhum no mercado. Em 2005, contudo, sentiu a necessidade de alinhar os vários programas de capacitação à estratégia de negócios e criou uma UC. “Reposicionamos os programas de acordo com as competências necessárias e integramos o conteúdo com outros ingredientes, como a universidade online, que ainda não existia”, diz Nelson Carvalho, gerente de desenvolvimento humano e organizacional. A diretora de recursos humanos, Julieta Nogueira, afirma que a principal motivação foi a melhora da qualidade, e não a falta de profissionais no mercado. “Não pensamos apenas em atender a uma demanda imediata, e sim em formar novas gerações com os valores e a cultura da companhia”, diz Julieta.
O esforço da Pernambucanas para a nova gestão educacional exigiu o envolvimento redobrado do departamento de RH. Uma gerência cuida da chamada “inteligência da educação” — a identificação das competências dentro do plano estratégico da empresa — e outra, da infraestrutura da UC, cuja sede foi instalada em uma área verde de 35 000 m² na periferia de São Paulo. “O departamento de RH gerencia tudo, desde a proposição dos conteúdos até a definição das equipes que devem ser capacitadas, a condução do treinamento e a administração das salas”, diz Julieta. No ano passado, 8 400 colaboradores passaram pela capacitação, com um investimento de 5 milhões de reais. A mesma quantia será investida neste ano, quando deverão ser treinados 11 000 funcionários.
O envolvimento da liderança, que caracteriza outro princípio de sucesso da UC — o da parceria —, é essencial ao programa inaugurado em 2009 pela fabricante de alimentos J. Macêdo, das marcas Dona Benta e Petybon, entre outras. “A maioria dos instrutores são consultores internos: gerentes de qualidade e líderes de área treinados para transmitir o conhecimento”, diz Sérgio Povoa, diretor de RH, referindo-se aos funcionários envolvidos na Universidade Motiva, que treinou 450 pessoas em sua estreia, no segundo semestre de 2009. Outras 608 foram capacitadas no semestre seguinte e mais 700 passarão pelo programa até o fim do ano, em cursos que vão de liderança a gestão e estratégias de venda. “A universidade é uma instituição viva. Como trabalhamos diretamente no mercado de consumo, que muda rápido, precisamos de agilidade para criar novos cursos e implementar novas competências”, afirma Povoa.
Há setores da economia brasileira nos quais a UC é um componente natural das organizações. A Petrobras não poderia ter crescido a ponto de se transformar na maior empresa do país sem investir, desde os primórdios, na educação corporativa sistemática. “Em 1938, época da criação do Conselho Nacional do Petróleo, o conhecimento era todo importado, com a contratação de técnicos estrangeiros”, conta Diego Hernandes, gerente executivo de RH da empresa. Em 1955, três anos depois da criação da Petrobras, foi fundado o Centro de Aperfeiçoamento de Pesquisas de Petróleo, que passou a formar profissionais para o setor. É a origem da Universidade Petrobras, que ganhou esse nome em 2004 e hoje exibe números à altura da dimensão da companhia: são três campi, no Rio de Janeiro, Salvador e Araucária, no Paraná, com 376 funcionários fixos e o envolvimento de 1 500 colaboradores-instrutores em cursos para mais de 50 000 pessoas por ano, com investimento anual que beira os 300 milhões de reais. “A existência da universidade foi fundamental para que a companhia desenvolvesse tecnologia e conhecimento ao longo desses anos, contribuindo para a sustentabilidade da Petrobras e conferindo um diferencial competitivo”, diz Hernandes.
No setor de serviços é difícil escapar da necessidade de reinventar a força de trabalho. “Não podemos sobreviver sem uma universidade”, diz David Barioni, que assumiu a presidência do grupo Facility neste ano. Ele negocia uma parceria com uma universidade do sistema normal de ensino para criar a UC do grupo, que deverá capacitar 5 000 pessoas em 2011. É uma missão complexa qualificar os 30 000 funcionários das nove unidades de negócios, que oferecem serviços de alimentação, segurança, manutenção predial e gestão ambiental, entre outros. “Nosso turnover é de 30% por causa da natureza pontual dos contratos de serviços. Ou seja, a cada três ou quatro anos, trocamos toda a força de trabalho. Para manter a qualidade, precisamos investir nas pessoas, que representam 70% dos custos”, diz. A diversificação de atuação é uma vantagem competitiva do Facility, que pode oferecer novos serviços aos clientes. “Por outro lado, precisamos garantir a mesma qualidade, o mesmo conhecimento para várias especialidades.” Neste caso, a educação pode realmente ser cara e trabalhosa. A ignorância, sem dúvida, é mais ainda.
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